Artigo de Elielson Pereira da Silva*
Na acepção histórica, reforma agrária é tida como "o conjunto de medidas que visam promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade" (Estatuto da Terra, 1964).
O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que os instrumentos legais para o cumprimento deste objetivo são a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária e a aquisição de terras por meio de compra e venda, mediante prévia e justa indenização ao proprietário.
No início do primeiro mandato do Presidente Lula, a nova direção do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - órgão fundiário responsável pela reforma agrária e pelo ordenamento fundiário do País - deparou-se com uma forte expectativa acumulada pelos movimentos sociais em relação a criação de novos assentamentos para atender a demanda de milhares de famílias que lutavam por acesso à terra.
Obstáculos à reforma agrária
No Estado do Pará, por sua importância estratégica para a reforma agrária no país, essa realidade era visível. Contudo, o caos fundiário, expressão cunhada por TRECCANI (2009), constituía o principal obstáculo para o avanço da reforma agrária nesta região do país.
A questão central era e continua sendo: como desapropriar imóveis rurais que não cumprem a função social e/ou comprar áreas produtivas sem a devida comprovação da cadeia dominial e a materialização física das mesmas em campo?
Em pedido de providências encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2009, para cancelamento de registros irregulares de terras em cartórios do Pará, a Comissão Estadual de Combate à Grilagem constatou que "nas últimas décadas, sobretudo na região amazônica, assistiu-se a um fenômeno enormemente lucrativo: a multiplicação de terras de papel. Em vários municípios a audácia dos grileiros subverteu as leis básicas da física permitindo que até 16 corpos ocupassem o mesmo espaço. A própria geografia deveria ser revista para poder atender aos interesses dos grileiros: No Estado do Amazonas e do Pará existem vários municípios cujas áreas territoriais são inferiores aquelas bloqueadas".
Pobreza e exclusão social
Por outro lado, percebia-se a existência de territórios rurais formados demograficamente pelo que se convenciona chamar de "caboclo amazônico", forjado a partir da mistura étnica entre o europeu, o indígena e o negro, dos quais descendem contemporaneamente os ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, quilombolas e agricultores familiares, que tem no elemento cultural a base para a construção do seu habitus, conforme classificação atribuída por Bordieu.
O cruzamento dos dados oficiais de instituições oficiais renomadas como IBGE, Ipea e PNUD permitiu identificar que estes territórios rurais habitados centenariamente pelos "povos das águas" concentravam os piores indicadores sociais do Estado do Pará, seja em termos de pobreza extrema como de pobreza absoluta.
Logo, a nova direção do Incra no Pará percebeu que a concepção do programa de reforma agrária na Amazônia teria que ser rapidamente modificada, levando em consideração este conjunto de especificidades do bioma.
Neste contexto, a inflexão conceitual no programa de reforma agrária para a Amazônia pressupôs considerar o combate à pobreza e à exclusão social como o elemento central de uma nova estratégia de desenvolvimento rural sustentável.
Reforma agrária preventiva e corretiva
Tipificamos a reforma agrária em duas categorias: preventiva e corretiva. A expressão reforma agrária preventiva foi cunhada por SILVA, CASTILHO e ALMEIDA (2009) para representar a nova estratégia levada a efeito pela Superintendência Regional do Incra no Pará (SR-01), de inclusão de povos e comunidades tradicionais ao Programa Nacional de Reforma Agrária.
Por esta concepção, ao se promover a destinação de terras públicas insulares e continentais aos ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais e agricultores familiares, ocorre um processo civilizatório de inclusão sócioeconômica de pessoas historicamente excluídas do sistema capitalista, e que viviam na mais completa invisibilidade social. Sem o acesso a direitos sociais básicos consagrados na Constituição Brasileira, o destino inexorável de boa parte dessas famílias seria a migração para a periferia dos centros urbanos mais dinâmicos da região.
Noutra ponta, ao se destinar as terras públicas em face desta categoria social se obtém a alteração da concentrada estrutura fundiária regional, uma vez que ao se afetar uma determinada área para assentamento de famílias, automaticamente aquele território não poderá ser novamente incorporado ao mercado de terras.
A reforma agrária corretiva seria aquela prevista nos moldes do Estatuto da Terra, onde o Estado só poderia atuar para desconcentrar a estrutura fundiária à medida que houvesse a comprovação do descumprimento da função social das terras tituladas em proveito de grandes proprietários.
Prevenção é mais eficaz
A diferença substancial entre os dois modelos é que o primeiro tem demonstrado nos últimos anos ser bem mais eficaz que o segundo, no combate à pobreza e na promoção do desenvolvimento sustentável. Embora carente de estudos científicos para aferir tal realidade, é visível a revolução silenciosa ocorrida no meio rural paraense. No intervalo de 2003 a 2010, na jurisdição da Superintendência Regional do Incra no Estado do Pará foram assentadas 75 mil novas famílias, 90% destas com base no paradigma da reforma agrária preventiva.
Neste momento, em que a prioridade do Governo da Presidenta Dilma é a erradicação da pobreza extrema, a experiência realizada pelo Incra do Pará, nos últimos anos, constitui-se como importante referência de política pública bem-sucedida, que deve ser aperfeiçoada e expandida para as regiões mais pobres do país, obviamente respeitando-se as especificidades locais.
*Elielson Silva é graduando em Administração e superintendente regional do Incra no Pará (SR-01).
Disponível em: http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=16055:artigo-desenvolvimento-regional-reforma-agraria-preventiva-e-combate-a-pobreza-no-meio-rural&catid=1:ultimas&Itemid=278